A tese da grande naturalização pode acabar com a cidadania?

Tribunal italiano nega dois pedidos de cidadania e traz de volta a discussão sobre um ato burocrático de dois séculos atrás, a grande naturalização

Muito tem se falado, especialmente em redes sociais, sobre a Grande Naturalização. É um ato burocrático de 1889, que volta à tona agora, por causa de duas decisões dos tribunais italianos negando o reconhecimento da cidadania com base nessa tese.

Pois bem, essa lei de dois séculos atrás, sobre a Grande Naturalização, dizia que todo e qualquer cidadão estrangeiro que residisse no Brasil seria automaticamente naturalizado brasileiro. Para continuar italiano, precisava manifestar, no prazo de seis meses a contar da sua chegada em terras tupiniquins, a intenção de permanecer como estrangeiro. Isso em uma época em que os imigrantes não tinham sequer conhecimento da decisão do governo brasileiro.

Na Itália, àquela época, a reação foi de completa indignação. A chamada Grande Naturalização foi refutada pela Corte di Cassazione (a mais alta corte de apelações italiana) e por todos os juízes do tribunal de Roma, em 1907.

Voltando aos dias atuais, já sabemos que a cidadania italiana é concedida a pessoas cujos ascendentes não foram naturalizados brasileiros. Por isso, no pedido de reconhecimento da cidadania, o descendente brasileiro precisa apresentar a CNN – Certidão Negativa de Naturalização, que é emitida pelo Ministério da Justiça. Porém, de acordo com essa tese, se o seu bisavô chegou ao Brasil antes de 1889, quando foi promulgada a lei da Grande Naturalização, e não manifestou a intenção de permanecer como estrangeiro, ele teria sido automaticamente naturalizado brasileiro, certo? Isso significa que ele teria deixado de ser cidadão italiano, e você e seus descendentes então, teriam perdido o direito à cidadania.

Mas na prática não é bem assim. O medo e insegurança causados pela tese da Grande Naturalização nas pessoas que desejam pedir a cidadania italiana não têm razão de ser. A Grande Naturalização só está “na moda” nas redes sociais e sites sobre reconhecimento de cidadania italiana por causa de apenas duas decisões contrárias ao reconhecimento (que ainda não são definitivas), que tiveram como base essa tese.

Já falamos aqui no blog sobre o pedido de cidadania via judicial O processo via judicial é realizado por meio de ação judicial pelo Tribunal de Roma, por procuração. O descendente não precisa se deslocar, permanece no Brasil.

Em busca dessa facilidade, o número de pessoas que passaram a contratar advogados e assessorias na Itália aumentou e isso chamou a atenção das autoridades italianas. A Justiça italiana decidiu, então, “ressuscitar” a Grande Naturalização. Dois pedidos foram negados por uma Corte em que o presidente seria contra o Jure Sanguinis, que é o direito à cidadania pela linha de sangue, ou seja, quando a cidadania pode ser concedida a um indivíduo descendente de uma pessoa nascida na Itália.

Ao todo, sete processos já foram julgados com a utilização da tese da Grande Naturalização. Desses, apenas em dois casos as decisões foram contrárias à concessão de cidadanias a brasileiros em que os descendentes tenham ficado no Brasil sem “avisar” o governo que queriam permanecer aqui, mas conservando sua nacionalidade, que era italiana. Ou seja, com base na Grande Naturalização.

A insegurança nos brasileiros descendentes está sendo gerada por causa de uma circular encaminhada pelo Ministero Dell’Interno para os oficiais de Comuni, onde são feitos os pedidos de cidadania. A circular pede que os oficiais “tenham atenção a processos integrantes da Grande Naturalização. O que gerou uma confusão nos funcionários, já que o governo italiano não reconhece a Grande Naturalização.

 

Toda essa história da Grande Naturalização começou na primeira Constituição Brasileira, em 1891. O artigo 69 fala que são cidadãos brasileiros os seguintes casos:

Parágrafo 1º – os nascidos no Brasil, ainda que de pai estrangeiro, não, residindo este a serviço de sua nação;

Parágrafo 2º – os filhos de pai brasileiro e os ilegítimos de mãe brasileira, nascidos em país estrangeiro, se estabelecerem domicílio na República;

Parágrafo 3º – os filhos de pai brasileiro, que estiver em outro país ao serviço da República, embora nela não venham domiciliar-se;

Parágrafo 4º – os estrangeiros, que achando-se no Brasil aos 15 de novembro de 1889, não declararem, dentro em seis meses depois de entrar em vigor a Constituição, o ânimo de conservar a nacionalidade de origem;

Parágrafo 5º – os estrangeiros que possuírem bens imóveis no Brasil e forem casados com brasileiros ou tiverem filhos brasileiros contanto que residam no Brasil, salvo se manifestarem a intenção de não mudar de nacionalidade;

Parágrafo 6º – os estrangeiros por outro modo naturalizados.

Já percebemos que a confusão gerada atualmente, sobre a Grande Naturalização está ligada ao parágrafo 4º, não é mesmo?

Assessorias e advogados que trabalham com processos de reconhecimento, acreditam que esse é um problema pontual, e que não vai afetar os futuros pedidos de reconhecimento de cidadania, seja via administrativa, seja via judicial.

O momento é de cautela, não se pode fazer julgamento precipitado. É necessário esperar outras decisões judiciais para entender como, e se, essa tese da Grande Naturalização vai mudar alguma coisa na forma de apresentar os pedidos de cidadania italiana.

Para o momento, o que sabemos é que a Grande Naturalização é uma tese infundada, que ressurgiu do passado para prejudicar os descendentes. A grande maioria dos juízes de primeira instância é favorável aos requerentes. Além do mais, a tese da Grande Naturalização já foi rejeitada pela corte de apelo, mas ainda cabe o último julgamento. Agora é esperar o posicionamento da corte suprema de Cassazione.

O importante nesse momento é procurar um advogado de confiança, para não cair em armadilhas.

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